A gravidez na adolescência aumentou nos últimos anos e traz riscos para a saúde da mãe e do bebê. Fatores como contexto sociocultural permissivo, iniciação sexual precoce, baixa escolaridade e renda familiar aumentam o risco de gravidez nessa faixa etária. O pré-natal multidisciplinar é importante para apoiar a adolescente grávida e minimizar os riscos.
1. IntroduçãoA adolescência é a fase de transição entre a infância e a idade adulta, caracterizada por transformações físicas e psicossociais. Nessa fase, o jovem assume mudanças na imagem corporal, de valores e de estilo de vida, afastando-se dos padrões estabelecidos por seus pais e criando sua própria identidade.O desenvolvimento da sexualidade faz parte do crescimento do indivíduo, em direção a sua identidade adulta.Modificações do padrão comportamental dos adolescentes, no exercício de sua sexualidade, vêm exigindo maior atenção dos profissionais de saúde, devido a suas repercussões, entre elas a gravidez precoce.Nos últimos 20 anos vem observando-se aumento da incidência de gravidez na adolescência em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento e nos Estados Unidos.Segundo a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 1996, a fertilidade no Brasil diminuiu cerca de 30% em todas as faixas etárias, com exceção da adolescência. Nessa mesma época, 18% das adolescentes brasileiras já tinham um filho ou estavam grávidas. Segundo dados do Ministério da Saúde, desse mesmo ano, 40% dos abortos eram realizados por adolescentes. O coeficiente de mortalidade decorrente do aborto foi 2,5 vezes maior que nas mulheres adultas.Em 1999, o Ministério da Saúde divulgou dados afirmando que 25,7% dos partos do Sistema Único de Saúde eram de adolescentes, sendo este procedimento a primeira causa de internação das meninas no SUS. A gravidez, o parto e o puerpério foram responsáveis por 80,3% das internações de adolescentes em todo o país.Fatores de riscoDiscute-se muito quais os fatores relacionados com a gravidez na adolescência, com o intuito de se tentar fazer sua profilaxia. Os mais citados são os seguintes.O atual contexto sociocultural é mais liberal e permissivo que outrora. Pesquisa realizada pela Unesco, junto com o Ministério da Saúde, no ano de 2001, mostra, por exemplo, que na década de 90 um entre cada quatro adolescentes tinha permissão para manter relações sexuais dentro da própria casa. Em 2001, esse número quase dobrou.O início da puberdade e a menarca vêm ocorrendo cada vez mais cedo, além de a iniciação sexual ser cada vez mais precoce. Em 1997, a média de idade da primeira relação sexual entre os meninos era de 16 anos e entre as meninas de 19 anos. Em 2001, essa média baixou para 14 e 15 anos, respectivamente.A baixa escolaridade e o abandono escolar são freqüentemente citados como fatores predisponentes da gravidez. No Brasil, segundo pesquisa realizada em 1998, metade das adolescentes sem estudo já eram mães, o que só ocorreu com 4,2% das que tinham de 9 a 11 anos de estudo.Sabe-se, também, que meninas provenientes de famílias de baixa renda são mais suscetíveis à gravidez precoce. A mesma pesquisa refere que as meninas que recebem menos de um salário mínimo têm fecundidade de 128/1000 e as que possuem renda igual ou superior a dez salários mínimos têm fecundidade de 13/1000.O desconhecimento sobre a sexualidade e a saúde reprodutiva faz com que as adolescentes engravidem quot;
sem quererquot;
.O uso incorreto de anticoncepcionais, devido a diversos fatores, dentre eles a não compreensão do uso correto do contraceptivo e o esquecimento de tomá-lo também levam a altos índices de gestação.Existem, por outro lado, características próprias da adolescência que, por si mesmas, colaboram na composição de tais números, como o quot;
pensamento mágicoquot;
, ou seja, a sensação de invulnerabilidade e onipotência, a idéia de que quot;
isso nunca vai acontecer comigoquot;
. Além disso, o adolescente tem uma vivência singular do tempo, caracterizada pela impulsividade e não preocupação com as conseqüências futuras dos atos realizados aqui e agora.As dificuldades de relacionamento familiar podem levar à gestação precoce, seja por agressão aos pais, baixa auto-estima ou falta de perspectivas. Para essas adolescentes sem perspectivas, a gravidez pode ser a única possibilidade de mudança de status.Algumas adolescentes relatam ter engravidado por duvidar de sua fertilidade e até mesmo para provar sua heterossexualidade.Atualmente, os meios de comunicação são responsáveis por grande parte das informações recebidas pelos jovens, que não têm o necessário discernimento para saber se são corretas, distorcidas, imprecisas ou incompletas. Enquanto os pais se calam e a escola prega orientações puramente científicas, a mídia vende o sexo como mercadoria de consumo, encontrando ávidos fregueses entre os adolescentes.RepercussõesAs repercussões da gravidez na adolescência são de caráter orgânico e, principalmente, psicossocial. As complicações médicas têm sido discutidas exaustivamente em vários países, sem que, no entanto, tenha-se chegado a conclusões definitivas. Sabe-se que, se for realizado um pré-natal adequado, voltado às necessidades da adolescente, os riscos são minimizados, podendo, muitas vezes, ser igualados aos das mulheres adultas.Numa gravidez precoce podem sofrer mãe e filho. Entre as mais prementes conseqüências negativas para a mãe estão a maior incidência de doença hipertensiva específica da gravidez, de morbidade e mortalidade no parto e no puerpério, desproporção feto-pélvica, partos prematuros, anemia e baixo ganho de peso. Já sobre os bebês incidem maiores índices de natimortos, mortes perinatais, recém-nascidos de baixo peso, síndrome da morte súbita, hospitalizações por infecções e acidentes durante toda a infância.Percebe-se também que, independentemente do meio social ou cultural, a gravidez na adolescência tem papel fundamental na determinação das futuras oportunidades das jovens. Observa-se um isolamento social, com afastamento do grupo de amigos e das atividades próprias para a idade.No tocante à família, as pressões sociais podem dificultar a aceitação da idéia da gravidez de uma filha, incapacitando a família a apoiá-la adequadamente. Há uma limitação da escalada da independência financeira do jovem casal pois, muitas vezes, a adolescente passa a depender de seus pais para sustentar e criar o bebê.No plano educacional, percebem-se altos índices de abandono escolar e da profissionalização após a gestação.Do ponto de vista psíquico, é freqüente que se encontrem jovens inseguras e receosas quanto ao seu futuro como mães. A gravidez é sabidamente um momento de maior sensibilidade e instabilidade emocional. Quando inserida na adolescência, período da vida permeado com as mesmas características, o fardo pode tornar-se pesado demais, podendo levar a graves depressões e até ao suicídio.DiagnósticoPara se fazer o diagnóstico precoce é necessário que o profissional tenha sempre em mente que está lidando com pessoas em idade fértil e, portanto, que existe a possibilidade de gravidez. É necessário dispor de tempo, atenção, interesse e conhecimento das características biopsicossociais dessa faixa etária para que a adolescente se sinta à vontade no consultório e não oculte o real motivo da consulta. Muitas vezes o médico não pode contar com o histórico menstrual da paciente e é comum que as próprias meninas não aventem a possibilidade de gravidez, apesar dos sinais e sintomas estarem evidentes.O diagnóstico clínico é feito, inicialmente, por sinais e sintomas sugestivos de gravidez, como atraso menstrual, náusea, vômito, congestão mamária, pigmentação areolar e polaciúria. Se a gravidez estiver mais adiantada, observa-se aumento do volume e da consistência uterina. Quando se palpam os movimentos fetais, ou se auscutam os batimentos cardíacos fetais, temos o diagnóstico de certeza.O diagnóstico clínico deve ser confirmado pela dosagem do beta-HCG urinário ou sangüíneo, que apresentam níveis elevados a partir do primeiro dia do atraso menstrual.Quanto ao diagnóstico de imagem, visualiza-se o saco gestacional à ultra-sonografia abdominal a partir da quinta semana de gestação e, na endovaginal, a partir de 31 dias.Papel do pediatraComo já foi dito anteriormente, o profissional que lida com adolescentes deve estar preparado para a possibilidade de diagnosticar uma gravidez. Perante este diagnóstico, deve despir-se de qualquer crença ou preconceito, para que possa ajudar sua paciente. Inicialmente, deve sentir como a adolescente está encarando a gravidez, o que está vivenciando no momento, se está estudando ou trabalhando, se está com o parceiro e quais seus planos para o futuro. Deve-se avaliar a capacidade de compreensão da gestante e estimulá-la a conversar com seus pais ou um adulto responsável.A seguir, é preciso discutir as opções que a paciente possa trazer consigo, como levar a gravidez a termo e criar o bebê, levar a gravidez a termo e doar o RN, ou interromper a gravidez. Cabe ao médico mostrar a ela os aspectos positivos e negativos de cada opção. Decidida a levar a gravidez a termo, devemos encaminhá-la imediatamente ao pré-natal multidisciplinar.Todo pediatra deve estar atento àquelas meninas que fizeram o teste de gravidez e obtiveram resultado negativo, pois estas passam a fazer parte de um grupo de risco. Estudo realizado por Polaneczky, no ano 2000, mostrou que, de todas as adolescentes que fazem o teste de gravidez, 36% têm resultado positivo. Se as restantes não forem bem orientadas, neste momento, cerca de 60% delas estarão realmente grávidas em 18 meses.Deve-se ficar atento para não taxar a gravidez da adolescente como problemática e indesejada. Sabe-se que, embora não planejada, a gravidez, muitas vezes, era ou passou a ser desejada pelo casal e até mesmo pela família que, muitas vezes, tem uma reação inicial de rejeição, mas, num segundo momento, passa a aceitá-la e até a apoiá-la.Pré-natal multidisciplinarO pré-natal multidisciplinar é um acompanhamento voltado às necessidades das adolescentes. Deve ser composto por uma equipe com o maior número de especialidades possíveis, tais como pediatra, ginecologista, psicólogo, fisioterapeuta, assistente social e nutricionista.As adolescentes fazem o pré-natal tradicional com os ginecologistas e obstetras e, além disso, são acompanhadas pela equipe, em reuniões com grupos formados pelas gestantes adolescentes, seus parceiros e mães adolescentes, que participaram do grupo anteriormente e voltam, agora com seus filhos, para passar sua experiência.Durante essas reuniões se deve deixar o grupo à vontade para expor suas preocupações, medos e incertezas, discutindo cada tema, a fim de fazer a profilaxia das complicações orgânicas e psicossociais da gestação na adolescência.O pai adolescenteO papel do parceiro é fundamental para a boa evolução da gestação, dando apoio a sua parceira e diminuindo os riscos de complicações psicológicas. Além disso, não podemos esquecer que muitos deles são também adolescentes e se mostram inseguros perante a nova situação. Diante disso, deve-se estimular sua participação no pré-natal.O partoO parto deve ser realizado por obstetra capacitado, segundo as normas da Obstetrícia moderna, considerando-se sempre a importância do apoio emocional a essas pacientes. Se a adolescente puder conhecer previamente a maternidade, tanto melhor, pois sentir-se-á mais segura e será, portanto, mais colaborativa.Pós-partoO pós-parto imediato deve ser realizado em alojamento conjunto, onde se inicia o vínculo da mãe adolescente com seu bebê. É ali, também, que começa a aprender, com suas colegas de quarto e enfermeiras, a cuidar da criança. Após a alta hospitalar é ideal que mãe e filho sejam acompanhados em ambulatório exclusivo e dedicado. Nessas consultas se faz a puericultura normal e se esclarecem todas as dúvidas da mãe. Aproveita-se para ressaltar a importância do aleitamento materno e do retorno à escola e/ou ao trabalho. Fortalece-se o vínculo mãe-e-filho, mostrando-lhes como são capazes de criar seus filhos de maneira adequada e como elas estão saindo-se bem no papel de mães. Melhorar a auto-estima das jovens mães é fundamental para o sucesso na criação de seu filho. Nesse mesmo momento é iniciado o planejamento familiar, fazendo-se desde já a prevenção da reincidência da gravidez precoce. Estudo realizado nos Estados Unidos, em 1994, mostrava que 30% das gestantes adolescentes estavam novamente grávidas no período de um ano.Considerações finaisA gravidez na adolescência vem aumentando muito nos últimos anos e cabe a nós, profissionais da saúde, junto com a sociedade, tentar alertar os jovens sobre os riscos vivenciados e apoiá-los, quando procuram métodos anticoncepcionais.Diagnosticada a gravidez, as meninas devem imediatamente ser encaminhadas ao pré-natal multidisciplinar, pois ele comprovadamente diminui os riscos de complicações orgânicas e psicossociais, tanto para as mães adolescentes quanto para seus filhos.<br />