O documento descreve a jornada de empoderamento feminino através de um parto humanizado e conectado à espiritualidade da mulher. A autora relata sua própria experiência de um parto tranquilo e intuitivo em casa, guiado por sua fé na capacidade do corpo feminino e apoiada por seu marido. O documento defende uma abordagem holística ao parto que promova a libertação da mulher e sua conexão com a natureza.
2. INTRODUÇÃO
Não existem receitas. Só existem as de bolo, e essas
também precisam ser adaptadas em função da
temperatura do ambiente, da umidade do ar, do
tamanho dos ovos e da densidade da farinha. Para
a autoestima, o empoderamento pessoal e o parto
bem-sucedido não há receitas.
Existem, porém, trilhas bem feitas que podem dar
uma ideia do que é preciso para chegar “lá”.
Lá, naquele lugar da mente e da alma, onde o
corpo pode funcionar como deveria e a harmonia
do todo assume a liderança. “Lá” é aquele espaço
que toda mulher grávida que desperta para a
humanização do parto quer para si, aquele bendito
momento em que há o desprendimento do filho de
seu ventre em paz e confiança e alegria. “Lá” é o
lugar da vitória, do êxtase e do sagrado.
3. O QUE É MÍSTICO
Místico remete a algo que é experimentado de
forma íntima e surpreendente, que transcende as
experiências do dia a dia, que mergulha os sentidos
em outra dimensão, deixando marcas na
consciência que se prolongam no tempo e,
entretanto, toda a vivência é dificilmente ou
simplesmente impossível de ser traduzida por
completo em palavras e comunicada.
4. ESPIRITUALIDADE FEMININA
Existe uma espiritualidade feminina? Com o
multiplicar-se de experiências de parto ativo, está
se prefigurando uma forma de espiritualidade
feminina que se ancora no corpo, naquele corpo
grávido e sábio da mulher parideira por natureza.
Uma nova e antiga dimensão feminina emerge
vinculada e aliada ao corpo, mas não mais
coisificada nele.
5. PARTO E EMPODERAMENTO
FEMININO
Empoderamento é voltar-se para a mulher negra
dentro de si, aquela que permaneceu nas sombras,
escondida, renegada, desprezada. De uma certa
forma, toda mulher é branca, independentemente
da cor de sua pele, porque vive sob os holofotes da
cultura branca patriarcal masculina.
Dentro vive a raiz feminina negra, filha da terra, do
úmido e do profundo. Essa é a mulher que precisa
ser despertada, reconhecida e convidada para a
festa da vida.
6. CARINY: MITO OU
REALIDADE?
... toda vez que alguma de nós consegue um feito
considerado arriscado pela mentalidade coletiva é
destacada como um ser diferenciado e, assim,
colocada num patamar inalcançável. Isolar
experiências inovadoras e fechá-las em redomas de
vidro é uma forma de exorcizar a possibilidade de
levá-las a sério e medir-se com elas, seriamente.
7. HOSPITAL OU NÃO HOSPITAL:
EIS A QUESTÃO
Estarão os partos de baixo risco tornando os
hospitais lugares obsoletos? Evidentemente que a
resposta a essa pergunta não está isenta de
interesses que vão além dos aclamados
publicamente relativos à saúde da mulher e do
bebê.
8. MAIS INTROVERSÃO, MENOS
EXTROVERSÃO
Introversão é um processo psicológico que
traz a pessoa para si. Pela introversão nos
centramos, meditamos, sonhamos, criamos o
futuro em nossa imaginação, temos ideias,
compreendemos o que estudamos,
processamos as experiências do dia, do mês,
do ano. Pela introversão encontramos quem
somos, o que realmente gostamos, queremos
ser e queremos ter em nossa vida.
9. DÚVIDAS E AUTOESTIMA
Ao focar na busca por certezas e seguranças
estamos traindo nossa baixa autoestima e, num
círculo vicioso, alimentando a própria dúvida. Como
não há certezas absolutas, fora as equações
numéricas, procurar certezas eleva
automaticamente o grau de nossa insegurança,
além de nos iludir. Mascarados de racionalidade,
bom senso e cautela, os discursos da dúvida
cozinham no fogo lento e contínuo da falta de
confiança em si, no que se sente, no que se pensa,
no que se quer e no como se faz.
10. MARIDOS: PARA QUE SERVEM
Nesta fase de transição entre uma forma de viver e
entender o parto e a nova que a humanização do
parto propõe, as mulheres precisam, mais do que
nunca, de maridos com os quais contar. Não mais o
sujeito que, empapuçado em seu suposto zelo pela
prole, se alinha com o que a academia fala como se
fosse a Bíblia Sagrada. Não mais homens que
apontam o dedo para suas mulheres “malucas” que
querem partos domiciliares. Para a alegria de
todos, está surgindo um novo tipo de homem.
11. MASCULINO E FEMININO:
CURANDO A FERIDA
Há uma ferida no fundo da alma feminina, antiga,
e, por isso, profunda. Houve uma decepção, uma
traição, a repentina realização de que aquele
adulto que tem poder sobre nossas vidas, aquele
adulto do qual dependemos totalmente e com o
qual contamos para nosso desenvolvimento, aquele
adulto que amávamos com toda nossa alma –
aquele adulto nos traiu. Ele foi imaturo, estúpido,
ignorante, machista. Egoísta. ... Aquele adulto que
segurava nossa mão vulnerável não era a força
positiva e sábia que queríamos e precisávamos ter
ao lado quando criança.
12. CHEGANDO
Dos opostos nasce a terceira via, assim como a luz
surge da união paradoxal do negativo e do positivo.
Quem é capaz de sustentar a tensão entre os
opostos irreconciliáveis vive a surpresa do
renascimento. Surge o “milagre”, o caminho
inesperado, a solução numa bandeja de prata.
13. 21 DE SETEMBRO, DIA DA ÁRVORE
Eu oscilei entre chamar assistência (que viria de
Porto Velho-RO, capital, a 470 km) ou ficar somente
eu e meu marido. Hoje eu vejo que apenas não
queria admitir para mim mesma, para a minha
parcela racional e masculina, que queria mesmo
era parir sozinha. Meu marido me ajudou a dar um
decisivo passo me dizendo: “Ou vai ser só nos dois
ou iremos pro hospital”. No fundo, eu sabia o que
isso queria dizer: seríamos só nos dois, pois hospital
nunca foi uma opção para mim. Há meses, quando
me vi grávida, eu sabia exatamente onde e como o
bebê, aquele ser de luz que estava nos escolhendo,
queria nascer.
14. MATA: EM BUSCA DA MULHER
SELVAGEM
Encontrar-se, re-encontrar-se. Confirmar em si
mesma a própria verdade, nossa verdade. Enfrentar
a passagem. O tempo chegou. É hora. Mais um
momento de introversão profunda, fazendo com
que a psique sinta sua conexão real, palpável com
sua origem, a mãe Terra, a vida, a própria natureza
da qual somos todos expressões, milagres,
possibilidades. É aquela mesma natureza que
gritava dentro dela para ser ouvida e ser seguida,
não importando os condicionamentos sociais e
culturais proclamavam.
15. CASA: LUGAR DE PODER
Despedi-me do dia 21, passei a madrugada em
trabalho de parto. Acredito que a natureza foi
muito benevolente comigo, pois em momento
algum tive contrações muito próximas ou muito
dolorosas. Aliás, lembro de volta e meia pensar:
"Cadê a dor? Cadê o ritmo?". Cheguei a achar que
sequer estava em trabalho de parto verdadeiro, já
que foi tudo muito suave, muito misterioso mesmo.
E muito em sintonia consigo, com a natureza, com
o corpo. Como tudo funciona bem quando
deixamos as coisas fluírem!
16. SINTONIA MULHER-BEBÊ
Depois de cada contração o bebê se movimentava e
isso me deixava ainda mais solta e relaxada. Uma
comunicação mesmo, uma conexão. Estávamos
juntos naquela viagem de partida e de chegada.
“Deus meu, como eu sonhei com este dia...”
Um sonho se realiza. Aos poucos a nova realidade
gestada vai se manifestando como o abrir-se de
uma flor, que finalmente desabrocha sob nosso
olhar. A cada passo as dúvidas vão perdendo força
e, sutil e inexoravelmente, a passagem acontece.
17. SINTONIA MULHER-HOMEM
Meu marido estava sentado na minha frente, me
olhou firme e disse: "Se é a hora, então vamos. Me
dá sua mão". E eu dei. Confiei naquele homem que
havia me dito que seria a única pessoa que não iria
me decepcionar. Sim, ele foi comigo rumo ao
desconhecido. Ele manchou as mãos com o sangue
do meu corpo e viveu comigo o evento mais
feminino do universo. Ele foi meu esteio naquilo que
sequer conhecia. Ele acreditou em mim. Acreditou
no invisível. Acreditou no que estava
completamente fora dele. É chegada a hora de
cumprir os votos...
18. O MILAGRE: A PRESENÇA DO
SAGRADO ENTRE NÓS
Fiquei de joelhos, exatamente onde, dia após dias,
durante meses, visualizei o parto. Abracei meu
amor e lembro-me de, entre os puxos, dormir de
lado, profundamente. Quando eles voltavam, o
meu marido me aparava e nos abraçávamos
novamente. Num instante ele sussurra no meu
ouvido: “Você está sentindo o bebê nascendo?”. E
eu disse: “Sim, põe sua mão, amor”. E ele sentiu o
bebê coroando. Eu senti o círculo de fogo e apenas
respirei, completamente dominada pelas
poderosíssimas forças ocultas da vida. Eu sabia, o
Divino estava ali.
19. PARTO: UM ASSUNTO ÍNTIMO
Não. Eu não mudaria nada no parto. Foi
exatamente como eu sonhava. Mas eu demoraria
mais tempo para chamar atendimento médico se
tivesse mais um filho nas mesmas circunstâncias.
Telefonamos para a médica uns 30 minutos depois
e ela veio meio apavorada, num padrão de energia
que destoou totalmente daquele que emanava no
meu quarto. Disso eu e meu marido nos
arrependemos! Poderíamos ter chamado horas
depois. Também deixaríamos para avisar as
pessoas só no dia seguinte.
20. PÓS-PARTO
Senti uma euforia logo no início; uma
felicidade que não se compreende. Sensações
no corpo todo que eu não consigo descrever. É
como se eu tivesse explodido e não cabia mais
em mim... Eu sussurrava pro meu bebê no colo
completamente fascinada.
21. MATERNIDADE ATIVA
O que é maternidade ativa? Se uma grávida
encontrar sua “mulher selvagem” não na fantasia
da mente romântica, mas na carnalidade de sua
realidade individual e íntima, ela será uma mãe
com uma presença ativa no mundo à sua volta.
Começará a ter outra consciência, não mais a bela
adormecida que espera o beijo do príncipe para
despertar, mas uma mulher atenta, questionadora,
que faz acontecer. A maternidade ativa surge
espontaneamente como resultado da mutação
interior.
22. TRANSMUTAÇÃO
No parto existe a possibilidade de começar a
curar a ferida feminina perpetrada pelo
masculino. Esta ferida é carregada na alma da
mulher como conflito, dúvida sobre si mesma,
angústia e insegurança. A perspectiva aberta pela
humanização do parto está permitindo essa
mutação, tão necessária quanto difícil.
23. UMA PÉROLA
O resultado dessa mudança se sintetiza numa
diferente forma de abordar a vida e de perceber-se,
portanto, de ser.
Não faço e nem nunca fiz do meu parto uma
bandeira e detesto o rótulo de corajosa. É mais
correto falarmos em fé: fé nos eventos femininos; fé
nos processos fisiológicos; fé no que é da natureza
humana. Então, eu acredito que se é para falar de
exemplo às mulheres, o meu eu acho que é o do
exercício profundo da fé na vida.
24. CONCLUSÃO
Humanização é um movimento holístico na direção
do desenvolvimento de todo nosso ser. Não tem
como melhorar o atendimento obstétrico sem nos
melhorarmos como pessoas, saindo da
superficialidade e racionalidade banalizadora da
cultura contemporânea. Não é um parto natural
que queremos, é essa libertação das amarras de
preconceitos e inseguranças castradores. Pela
liberdade de ser, a mulher vai ter o melhor parto
possível, que, com toda probabilidade, será um que
segue as leis da natureza, porque libertando-se ela
se alinha com sua natureza íntima. Nenhuma
mulher livre internamente escolhe o que é
contrário ao seu corpo e à sua fisiologia.
25. PARTO MÍSTICO
Um percurso feminino de
empoderamento
Autora: Tanese Nogueira
Adriana
Ilustrações de Paula
Cortinovis
2013
Editora Biblioteca 24 Horas
Também disponível nas
Livrarias Culturas
ISBN: 9788541605342
Página: 115
200 gramas
Preço: R$ 31,90
adrianatnogueira@uol.com.br