O documento discute os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) como uma nova alternativa de financiamento para o agronegócio brasileiro. Os FIDCs permitem que empresas agrícolas vendam seus recebíveis a prazo para obter recursos de forma desintermediada. Investidores adquirem cotas dos fundos em troca dos direitos creditórios, recebendo juros dos pagamentos quando realizados. Os FIDCs oferecem taxas atrativas com baixo risco e têm crescido como opção de financiamento
1. Novos instrumentos financiam
o agronegócio
Este presente artigo tem como objetivo expor Fundos de renda fixa é o tipo de aplicação na
uma nova alternativa, de grande potencial, para o qual a lucratividade é contratada previamente ou
financiamento das atividades agropecuárias no segue taxas de mercado, ou seja, o seu rendi-
Brasil, o FIDC (Fundo de Investimento em Direi- mento está previamente definido. Os fundos de
tos creditórios). Antes, porém, é necessária uma renda fixa podem ser formados por títulos públi-
Roberto Arruda de breve discussão do contexto econômico em que cos (municipais, estaduais ou federais) e por títu-
Souza Lima surge essa nova alternativa. los privados. Entre os títulos privados, há diver-
Engenheiro agrônomo,
Doutor em As condições macroeconômicas sempre exer- sos tipos: CRI (certificado de recebíveis imobiliá-
Economia Aplicada, ceram forte influência sobre o volume e disponi- rios), debêntures, notas promissórias, FIDC (fun-
Prof. da ESALQ/USP ,
Pesquisador do CEPEA
bilidade de financiamentos. No caso do agrone- dos de investimentos em direito creditório), entre
raslima@esalq.usp.br gócio, não tem sido diferente. Quando o Brasil outros.
Bruno Pissinato
optou pelo crescimento através da industrializa-
Economista formado ção e desenvolvimento urbano, na segunda meta- FIDC: uma ferramenta para
pela ESALQ/USP de do século passado, linhas abundantes e atrati- Financiamento do Agronegócio
Diego Montebelo vas de crédito surgiram para que os alimentos Brasileiro
Graduando em
Ciências Econômicas,
chegassem barato à população urbana, sem pres- No FIDC ocorre a venda de cotas de investi-
ESALQ/USP são inflacionária. Este fato, aliado à necessidade mentos para investidores qualificados. Este merca-
do país obter divisas (“dólares”), foram o forte do é relativamente novo, mas com alto potencial
incentivo para criação do Sistema Nacional de de crescimento, tendência que tem sido observa-
Crédito Rural na década de 1960 e manutenção da com o passar dos anos, mesmo com a econo-
de crescentes volumes de financiamento para mia sendo afetada pela crise financeira global.
agropecuária até o final da década seguinte. Nos Para diferenciar a estrutura de um FIDC para
últimos vinte anos do século XX, as elevações das um título de renda fixa comum, deve-se observar
taxas de juros e da inflação, o maior rigor fiscal, uma importante distinção que se encontra nos ati-
entre outros fatores, ocasionaram forte redução vos que compõem a carteira. No caso do FIDC,
na oferta de crédito. Mas o agronegócio não se os títulos estão lastreados em receitas futuras (flu-
intimidou e manteve bom desempenho, o que re- xo de caixa), ou seja, os cotistas adquirem um
forçou a urgente necessidade da criação de fon- montante de crédito futuro da empresa em troca
tes de financiamento alternativas ao crédito rural de recursos de curto prazo, com alta liquidez, e
oficial. Paralelamente a esses eventos, o merca- recebem um prêmio por essa negociação. Isso
do de capitais brasileiro foi se desenvolvendo. ocorre com período pré-fixado, sendo que con-
Consequência dos fatos relatados o parágrafo forme o maior tempo para resgate, maior o valor
anterior, novos instrumentos sugiram buscado uma de recebimento.
maior participação tanto do mercado financeiro Quanto aos riscos nas negociações de FIDC,
quanto do mercado de capitais no financiamento importante aos olhos do investidor, deve-se res-
do agronegócio. Entre eles, criados nos últimos saltar que os títulos são regulamentados pela CVM
dez anos, destacam-se o Certificado de Depósito (Comissão de Valores Mobiliários) e cada con-
Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário trato de negociação apresenta classificação de
(WA), o Certificado de Direitos Creditórios do risco por empresas altamente capacitadas de ra-
Agronegócio (CDCA), a Letra de Crédito do ting, como Standard & Poor’s e Fitch.
Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebí- Analisando o outro lado, o do quem recebe o
veis do Agronegócio (CRA). Observa-se uma ten- recurso (originadores, conforme será descrito a
dência, correta, de cada vez mais recorrer a um seguir), nota-se que o instrumental é uma ótima
mercado extramente eficaz, o mercado de capi- alternativa de obter recursos porque os juros são
tais. Nesse contexto, há o desenvolvimento de relativamente baixos e o prazo dos recebíveis ce-
diferenciados fundos de renda fixa, como será didos pode ser longo. Além disso, ocorre desin-
discutido a seguir. termediação financeira, isto é, os bancos são eli-
2. minados do processo. Para explicitar como funci-
ona o mercado de FIDC é importante observar a
Figura 1.
O processo, o funcionamento do FIDC, inicia-
se com uma empresa (“originadora”) que vende,
a prazo, produtos ou serviços para seus clientes.
Os direitos creditórios (recebíveis) resultantes
dessas vendas são cedidos ao FIDC, que os com-
pra pagando a vista. Para ter recursos para ad-
quirir esses recebíveis, o FIDC capta recursos no
mercado de capitais. Note que nesse processo,
para a originadora, tudo ocorre como se tivesse
realizado uma venda a vista (suprindo eventuais
necessidades de fluxo de caixa), enquanto o cli-
ente continua pagando a prazo. É uma forma de
viabilizar crédito para os clientes.
Os pagamentos do cliente, quando realizados,
são recebidos pelo FIDC que os utiliza para re-
munerar os investidores que haviam adquirido suas
cotas. Para operacionalização das atividades, a
estrutura conta com um prestador de serviços, Figura 1 - Mecanismo do funcionamento do FIDC
contratado para realizar a cobrança e recebimen-
to dos recebíveis, além da empresa que adminis-
tra (gerencia) a operação. Adicionalmente, audito-
res externos e agências classificadoras geram rela-
tórios que permitem o acompanhamento das ativi-
dades e riscos envolvidos na operação do FIDC.
Exposto o mecanismo de funcionamento des-
se mercado, devemos analisar como ele está atu-
ando no agronegócio brasileiro. Iniciando pela vi-
são histórica, deparamos que ele iniciou em de-
zembro de 2006, assim sendo, consiste em algo
recente, como já exposto anteriormente. O fato
de ser um mercado relativamente novo, não tira a
posição de destaque do agronegócio no mercado
e deparamos já em 2007 com uma participação
de 15,11% no total das operações envolvendo fun-
dos de investimentos em direitos creditórios (Fi-
gura 2). Naquele ano foram movimentados apro- FONTE: UQBAR (2008)
ximadamente 10 bilhões de reais no mercado de
FIDC nacional. Figura 2 - Brasil: composição do mercado de FIDC em 2007
Outro aspecto interessante a ser abordado é
relação entre rentabilidade e risco ao investidor.
Observa-se que esses títulos com o transcorrer entre elas, o agronegócio. Mesmo no recente pe-
dos anos, apresentaram juros atrativos e ótimas ríodo de crise financeira mundial, operações têm
classificações pelas agencias de rating, o que vem sido realizadas e há espaço para captação de re-
sido mantido ao longo dos trimestres (visto que cursos por empresas agrícolas e pecuárias. Adi-
essas são análises trimestrais). Isto é de suma cionalmente, como é analisado o recebível e não
importância num momento de crise. a empresa originadora, as oportunidades para ces-
Desse modo, podemos concluir que o merca- são dos direitos creditórios, isto é, para participar
do de FIDC brasileiro, assim como o mercado de do mecanismo do FIDC, podem ser exploradas
capitais em geral, apresenta alta credibilidade e por empresas do agronegócio com as mais dife-
confiabilidade, assim sendo é mais uma possibili- rentes características (porte, setor de atuação,
dade atraente para financiar inúmeras atividades, entre outras).