O documento trata de um agravo de instrumento movido pelo Ministério Público contra uma decisão que negou uma medida liminar para compelir uma construtora a promover a preservação ambiental em um loteamento. A relatora reconhece a verossimilhança das alegações de irregularidades ambientais e a possibilidade de dano irreparável, devido a uma nascente e curso d'água ainda preservados no local, e decide conceder a antecipação da tutela recursal solicitada.
Agravo de Instrumento sobre preservação ambiental em loteamento
1. Agravo de Instrumento n. 2014.018810-1, de Criciúma
Agravante : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Dr. Luiz Fernando Góes Ulysséa (Promotor)
Agravadas : Construtora Civilsul Ltda e outro
Relatora: Desa. Subst.Denise de Souza Luiz Francoski
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Inicialmente, destaco que passei a cooperar nesta Câmara Civil Especial
em 2/3/2014 (Portaria GP n. 109, de 24 de fevereiro de 2014), sendo que recebi os
presentes autos em 03/04/2014.
I - RELATÓRIO
Cuida-se de Agravo de Instrumento com Pedido de Antecipação de
Tutela Recursal interposto por Ministério Público de Santa Catarina contra decisão
proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Criciúma, nos
autos da Ação Civil Pública com Pedido Liminar n.º 020.14.003710-1, movida em
desfavor de Construtora Civilsul Ltda.
Pronunciamento impugnado: decisão que indeferiu a concessão de
medida liminar postulada pelo agravante para compelir a agravada a promover a
preservação e iniciação de procedimento de recuperação ambiental no loteamento
"Altos da Floresta".
Fundamentos invocados:
a) que a Fundação do Meio Ambiente de Criciúma - FAMCRI deixou de
expedir a Licença Ambiental de Operação (LAO) em favor da empresa agravada,
sobretudo porque ficou constatada a existência de irregularidades na concessão das
licenças prévia e de instalação, notadamente a existência de nascentes e cursos
d'água não anotados por ocasião da expedição das mesmas;
b) que o Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas IPAT -
informou após fazer uma visita "in loco" e a fotointerpretação de duas fotos aéreas
datadas dos anos de 1978 e 2001, que o terreno antes de qualquer tipo de atividade
de terraplanagem possuía duas drenagens (curso d'água) que cruzavam a área do
loteamento, descaracterizadas durante a terraplanagem (ações antropópicas);
c) que por meio de estudo elaborado pelo Centro de Apoio Operacional
de Informações e Pesquisas do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (que
acompanha o agravo) é possível visualizar claramente a existência de duas
2. nascentes dentro do terreno no qual a construtora agravada pretendia a implantação
do loteamento "Altos da Floresta" e, ainda, a existência de nascentes localizadas fora
da área de propriedade da empresa, mas cujas áreas de preservação permanente
adentram o terreno, de modo que tanto as nascentes, quanto as áreas de
preservação permanente devem ser resguardadas e;
d) que por não ter toda a área a ser preservada ainda sofrido
intervenção antrópica a concessão da tutela recursal para preservação e iniciação de
procedimento de recuperação gradativa é a medida mais adequada.
II - ADMISSIBILIDADE
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual
deve ser conhecido.
III - DECISÃO
O presente Agravo de Instrumento com Pedido de Antecipação de
Tutela Recursal está amparado no art. 527, III do Código de Processo Civil,
dependendo o seu acolhimento da verossimilhança da alegação e do fundado receio
de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme previsão do art. 273 do mesmo
diploma legal.
No caso em apreço, através de uma análise perfunctória, constata-se
que os pressupostos legais para antecipação da tutela recursal estão presentes.
a) Da verossimilhança das alegações
A própria magistrada "a quo" na decisão agravada reconheceu presente
a verossimilhança das alegações, quando assim fundamentou:
"[...]
Cuida-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de
Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício neste juízo, em
face de Construtora Civilsul Ltda, visando, em suma, a recuperação das áreas
degradadas existentes no imóvel pertencente à requerida, localizado na Rua Noé
Pirola, s/n, bairro Vila Floresta, neste Município, local onde a empresa pretende
implantar o loteamento denominado "Altos da Floresta".
Como sabido, a ação civil pública tem por escopo a proteção de interesses
difusos ou coletivos.
Para garantir desde logo a preservação dos interesses tutelados pela ação civil
pública, o legislador pátrio previu a possibilidade de concessão de medida liminar
pela Lei n. 7.347/85: "Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".
Traz-se a jurisprudência aplicável:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR.
CABIMENTO. REQUISITOS PRESENTES. RECURSO IMPROVIDO. Uma vez
demonstrados, em ação civil pública, os requisitos do fumus boni juris e do periculum
in mora, cumpre ao julgador conceder a liminar de que trata o art. 12, caput, da Lei n.
7.347/85 (LACP). (AI n. 8.251, de Içara, Rel. Juiz Dionízio Jenczak).
A concessão da medida liminar, portanto, depende da presença de dois
requisitos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, ou seja, faz-se
mister a presença da plausibilidade do alegado e do potencial prejuízo à efetividade
da demanda, na hipótese de demora.
Inicialmente, observo que o ponto nuclear da quaestio consiste em
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3. possível irregularidade no empreendimento "Altos da Floresta", de propriedade
da requerida, no que se refere ao resguardo de áreas de preservação
permanente.
De uma análise da documentação que acompanha a inicial, verifica-se
que a ré obteve Licença Ambiental Prévia (LAP n. 015/2011) e Licença
Ambiental de Instalação (LAI n. 020/2011), concedidas pela FAMCRI (Fundação
do Meio Ambiente de Criciúma), para implantação de loteamento residencial na
Rua Noé Pirola, bairro Vila Floresta, neste Município.
As referidas licenças foram concedidas tendo como base o Parecer Técnico n.
621/2011, que registrou, dentre outras informações, que "na ocasião não foi
constatada a existência de córregos ou corpo hídrico dentro da área do
empreendimento requerido" (fl. 253 do Inquérito Civil).
Contudo, após solicitação do Ministério Público no Inquérito Civil n.
07.2012.00021687-6, a FAMCRI realizou vistoria no terreno e verificou a
existência de nascentes na área, que não estavam lançadas nas plantas do
loteamento, nem no diagnóstico ambiental que acompanha o projeto de
loteamento, informação que foi confirmada pelo Instituto de Pesquisas
Ambientais e Tecnológicas (IPAT) da UNESC após visita in loco (fl. 07 do
Inquérito Civil).
Portanto, ao que tudo indica, o terreno onde a requerida postulou a
implantação do Loteamento "Altos da Floresta" possui nascentes e cursos
d'água que precisam ser preservados, adotando-se o afastamento mínimo de
suas margens, definidos em lei como Área de Preservação Permanente. No
entanto, considerando que essas nascentes e cursos d'água não estavam
lançados no projeto do Loteamento, exsurge a necessidade de recuperação da
área degradada.
Presente, pois, o fumus boni juris." (fls. 51/52)
Portanto, não sendo objeto do agravo de instrumento em voga,
desnecessário maiores digressões sobre o tema.
b) Do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
Por outro lado, a magistrada "a quo" considerou ausente o "periculum in
mora" necessário ao deferimento do pedido liminar (fls. 52/54), ao fundamento de que
"[...] conforme se extrai da exordial, o Ministério Público já se posicionou pelo
indeferimento do pedido de registro de loteamento, o que leva a crer que o
requerimento formulado pela Construtora Civilsul foi negado pela Oficiala de Registro
de Imóveis competente, fato que, independentemente da concessão de medidas
cautelares pleiteadas neste feito, já impede a regularização do empreendimento da
ré".
Contudo, não obstante as ponderações efetuadas pelo juízo singular, o
"periculum in mora" no caso em apreço está relacionado ao potencial dano
irreversível diante da situação ambiental atual e não à impossibilidade de registro do
loteamento perante o Registro de Imóveis.
No caso em apreço, ao contrário do consignado na decisão agravada, o
estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas - IPAT (fls.
262/263 do Inquérito Civil Público) atesta que embora uma nascente tenha sido
suprimida pelo empreendimento da agravada, ainda se mantém sem interferência
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4. humana uma nascente e seu respectivo curso d'água, vejamos:
"[...] Tendo conhecimento da definição legal de nascentes, efetuou-se a
fotointerpretação da imagem aérea, na escala 1:30.000 (escala de coo), datada de
1978, onde observa-se a existência de duas drenagens (curso d'água) que
cruzam a área do referido loteamento (Anexo 1), sendo que uma delas, se
mantêm ainda hoje e tem sua origem (nascente) a sudeste da área (Anexo 2).
Portanto, faz-se necessário que se mantenha ao longo das margens do referido
córrego, as áreas de preservação permanente (APP), conforme previsto na
legislação.
A segunda drenagem por sua vez, tem sua origem no interior da área alvo do
processo de loteamento, tendo seu ponto inicial próximo ao local onde foram
cadastradas as nascentes identificadas como ASA-N062 e ASA - N064 (Anexo 1).
Esta drenagem por sua vez não é mais observada na área, tendo em vista a
realização de atividades de terraplanagem (Anexo 2)
Neste sentido, considera-se que as nascentes cadastradas como ASA-062 e
ASA-064, representam um único afloramento, descaracterizado durante a
terraplanagem do terreno. Assim, ambas constituem efetivamente uma nascente sob
o ponto de vista legal, uma vez que proporcionavam o início de um corpo hídrico,
embora atualmente as mesmas estejam totalmente descaracterizadas em razão de
ações atrópicas.
Por outro lado a nascente cadastrada sob o código ASA-N063, não constitui
efetivamente uma nascente, uma vez que não é observada durante a
fotointerpretação da imagem de 1978.
Já a nascente cadastrada sob o código ASA-N072 encontra-se fora dos
limites da área em questão, embora a sua área de preservação permanente
(APP) avance sobre o sítio estudado e em função disso deve se manter
protegida."
Assim, além de ser incontroversa a existência de cursos d'água no local,
ficou constatado que nem toda a área a ser preservada sofreu intervenção humana de
modo que sua salvaguarda, por tudo que foi até então fundamentado, é salutar.
Sobre o posicionamento apresentado, extrai-se o seguinte trecho do
artigo "Direito ambiental: o princípio da precaução e sua aplicação judicial", publicado
na revista de direito ambiental n. 21/2001:
Não é novidade, como se sabe, a afirmação de que as agressões ao meio
ambiente são, em regra, de difícil ou impossível reparação. Como se constata
freqüentemente, uma vez consumada uma degradação ambiental, a sua
reparação é sempre incerta e, quando possível, excessivamente custosa. Daí a
preocupação existente há muito tempo com a atuação preventiva e de
segurança, a fim de evitarem-se os danos ambientais, o que justificou a
consagração do princípio da prevenção.
O princípio da precaução veio, sem dúvida, reforçar o princípio da prevenção.
No dizer de Cristiane Derani, “O princípio da precaução está ligado aos
conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como
também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a
tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu
ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta
premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada
atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos
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5. humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da
ciência jamais conseguem captar em toda densidade (...)”.
“Precaução”, analisa Édis Milaré, “é substantivo do verbo precaver-se (do
Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados,
cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos
indesejáveis”. A partir dela, avalia Cristiane Derani, procura-se prevenir não só a
ocorrência de danos ao meio ambiente, como ainda, e mais especificamente, o
próprio perigo da ocorrência de danos. Pela precaução protege-se contra os riscos
(“precaução contra o risco”).
Em termos práticos, o princípio da precaução significa a rejeição da
orientação política e da visão empresarial que durante muito tempo
prevaleceram, segundo as quais atividades e substâncias potencialmente
degradadoras somente deveriam ser proibidas quando houvesse prova
científica absoluta de que, de fato, representariam perigo ou apresentariam
nocividade para o homem ou para o meio ambiente.
Com a sua consagração, diversamente, a orientação que passou a ser seguida
é a de que, mesmo diante de controvérsias no plano científico com relação aos
efeitos nocivos de determinada atividade ou substância sobre o meio ambiente,
presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou substância em
questão deverá ser evitada ou rigorosamente controlada.
Affonso Leme Machado, “este deve ser prevenido, como preconiza o
princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir
prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida
científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção”.
(Mirra, Álvaro Luiz Valery. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/26866/26429;
acessado: 15.06.09).
E ainda da ensinança do doutrinador Édis Milaré:
"No Direito Ambiental, diferentemente do que se dá em outras matérias,
vigoram dois princípios que modificam profundamente as bases e a manifestação do
poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e
b) o princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência e da
cautela." (Direito do ambiente, 2.ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais; p. 535).
E, em outro estudo, assevera:
"[...] o interesse na proteção do meio ambiente, por ser de natureza pública,
deve prevalecer sobre os direitos individuais privados, de sorte que, sempre
que houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso concreto, deve
prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade – a dizer, in dubio
pro ambiente." (MILARE, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente.
Revista Forense, n. 352; p. 65-9, grifei e destaquei).
A jurisprudência desta Corte de Justiça não diverge:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEIO AMBIENTE -
EXTRAÇÃO E ENVASE DE ÁGUA MINERAL - AUSÊNCIA DE PRÉVIO ESTUDO
DE IMPACTO AMBIENTAL - SUSPENSÃO DA ATIVIDADE - EXEGESE DO ART.
225 DA CRFB. [...] AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - ATIVIDADE
INDUSTRIAL - DANOS AO MEIO AMBIENTE - INCERTEZA - APLICABILIDADE
DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO. O princípio da
prevenção aplica-se aos casos em que se dispõe de informações conhecidas, certas
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6. ou provadas sobre o risco da atividade ou comportamento, são hipóteses em que há
perigo concreto. A precaução, por sua vez, está voltada às hipóteses de perigo
abstrato, onde o risco é hipotético ou incerto, de modo que, havendo dúvida quanto
aos danos da atividade, esta sorve em favor do bem ambiental. (TJSC, Agravo de
Instrumento n. 2007.011758-8, de Joinville, rel. Des. Volnei Carlin, j. 29-11-2007).
Ademais, encontrando-se indícios suficientes de irregularidades
ambientais (verossimilhança das alegações), inquestionável é a existência do receio
de dano irreparável ou de difícil reparação, haja vista que na dúvida deve prevalecer a
prevenção do risco de dano ambiental, sabidamente de mais difícil restauração.
Portanto, considerando tais fatos, e em homenagem ao princípio da
precaução, a tutela recursal merece deferimento.
De qualquer modo, importante consignar que a análise da matéria para
o fim de concessão de tutela recursal, pela celeridade que o procedimento exige,
dispensa maiores digressões sobre toda a temática que envolve os fatos, a qual
receberá o devido exame por ocasião da resolução do mérito.
Por fim, cumpre ressaltar ainda que a análise nessa fase recursal é
apenas superficial, a fim de verificar a existência ou não dos requisitos necessários à
concessão da liminar pleiteada.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto:
a) admito o processamento do recurso;
b) defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal,
conforme postulado;
c) determino o cumprimento do disposto no art. 527, V, do Código de
Processo Civil e a juntada da manifestação constante na contracapa dos autos;
d) determino a comunicação do juízo a quo.
Após, à redistribuição.
Publicar e intimar as partes.
Florianópolis, 8 de abril de 2014.
Denise de Souza Luiz Francoski
RELATORA
Gabinete Des. Denise de Souza Luiz Francoski